Mais de R$ 1 bilhão foram investidos em uma obra emergencial até hoje não inaugurada e que teria tirado a paz de uma comunidade rural de menor relevância para o abastecimento hídrico da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH). Esse foi o principal questionamento apresentado por moradores, deputadas e ambientalistas, em visita técnica da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) às obras da nova captação de água do Rio Paraopeba, nesta segunda-feira (27/11/23).
O rompimento da barragem da Vale no município, em 2019, além da morte de 272 pessoas, causou a contaminação do Rio Paraopeba, essencial para o abastecimento da RMBH. Como compensação pelos danos causados, a mineradora se comprometeu, entre outras ações, a construir um novo ponto de captação de água no rio e entregá-lo à Copasa, uma vez que a onda de rejeitos impossibilitou o funcionamento da estrutura já existente.
A obra deveria ter sido entregue, no entanto, em setembro de 2020. Depois de várias prorrogações de prazo, a Vale agora promete disponibilizar o equipamento à Copasa no próximo mês de dezembro, em uma operação assistida, conjunta. Ainda não há uma data definida para o controle total por parte da estatal.
A deputada Bella Gonçalves (Psol), que solicitou a visita, apontou a contradição na alegada urgência que serviu como justificativa para a definição do local do novo sistema, próximo à comunidade de Ponte das Almorreimas, já que, mais de quatro anos depois da tragédia de Brumadinho, ele ainda não foi concluído.
A parlamentar lembrou que uma adutora atravessa o território da comunidade, que também se queixa da falta de diálogo nesse processo e das consequências socioambientais do empreendimento.
Apesar de todo esse impacto, destacou Bella Gonçalves, os primeiros testes operacionais apontariam uma distância entre a vazão do rio e a captação planejada, de 5 mil m³ por segundo. Além disso, assim como a captação antiga, a nova seria apenas um “backup”, uma reserva para possível estiagem nos principais reservatórios da bacia: Rio Manso, Várzea das Flores e Serra Azul.
As deputadas Ione Pinheiro (União) e Beatriz Cerqueira (PT) também se mostraram preocupadas com os impactos para a comunidade de Ponte das Almorreimas. “A Vale tem um histórico de violação de direitos das comunidades, com um controle do território assustador e violento”, afirmou Beatriz Cerqueira, que ainda cobrou um relacionamento mais próximo da Copasa com a população atingida.
Tranquilidade da comunidade rural foi abalada
Cláudia Saraiva, moradora de Ponte das Almorreimas, perdeu familiares no rompimento da barragem na Mina do Córrego do Feijão e teve sua vida novamente abalada pela Vale. Seu terreno foi desapropriado por utilidade pública, apesar de ainda não ter recebido nada como indenização e de não ter sido ouvida em nenhum momento. Por discordar das obras na comunidade, ela denuncia estar sendo perseguida pela mineradora, inclusive com intimidação por parte de funcionários.
A moradora acredita que a tubulação e as torres de energia da nova captação trazem risco direto à população e ao patrimônio arqueológico locais – um muro de pedras centenário foi destruído durante as obras.
Ela foi mais uma a questionar a real necessidade do empreendimento. No seu entender, a despoluição do Paraopeba sairia mais em conta e seria uma solução mais completa para o risco de desabastecimento.
Vicentina Prado e o casal Lourival e Sueli Alves, também moradores de Ponte das Almorreimas, abordaram outros impactos das intervenções na comunidade: ruído excessivo, poeira, circulação de pessoas estranhas (trabalhadores que foram para a região), tráfego de caminhões e falta d’água. Os eventos tradicionais, que movimentavam a economia local, também foram interrompidos desde o rompimento da barragem em 2019.
Vale apresenta detalhes da nova captação
Gerente de engenharia da Vale, Luciano Alvarenga apresentou o projeto da nova captação às deputadas e aos representantes dos moradores. Doze quilômetros acima da antiga e com extensão total de 14,5 quilômetros, dos quais falta a conclusão de 380 metros, o empreendimento terá o custo de cerca de R$ 1 bilhão.
Ele admitiu que material sólido levado por fortes chuvas causaram danos na estrutura, o que causou a interrupção dos testes, mas garantiu que tudo foi arrumado e que o equipamento será entregue com capacidade para operar durante todo o ano com o volume de captação ideal.
Sobre a localização do sistema, o engenheiro lembrou que ela foi definida em conjunto pelo Copasa, pela Vale e pelo Ministério Público, assistido por assessoria técnica. “A obra está 100% legalizada”, salientou.
Como contrapartida para a comunidade de Ponte das Almorreimas, ele informou que estão sendo construídos um centro comunitário, um memorial e uma nova capela, já que a estrutura da igreja local foi afetada pela adutora.
Fonte: Acom / ALMG