A decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região que condena a mineradora Vale S.A. a retificar os Perfis Profissiográficos Previdenciários (PPPs) de trabalhadores que atuam em áreas de risco próximas à barragem de Conceição recebeu, nesta sexta-feira (14), o selo de relevância institucional.
O reconhecimento foi concedido pelo próprio TRT-MG como parte das ações de destaque relacionadas à COP30, que acontece em Belém do Pará, e valoriza decisões judiciais com impacto social, ambiental e trabalhista.
Segundo o presidente do Sindicato Metabase de Itabira e Região, André Viana Madeira, que também representa os trabalhadores no Conselho de Administração da Vale, o selo confirma a importância da luta sindical por segurança e justiça no setor mineral.
“É um reconhecimento que comprova que estamos no caminho certo na defesa dos interesses dos trabalhadores e sua segurança nessas áreas de autossalvamento, com o reconhecimento de se tratar de uma condição especial de trabalho que leva à mudança do PPP”, afirmou Viana.
A decisão judicial, mantida em segunda instância, condena a Vale a emitir novos PPPs para dois trabalhadores que atuavam em áreas de alto risco, nas proximidades da barragem de Conceição, em Itabira. O laudo pericial anexado ao processo comprovou que os postos de trabalho poderiam ser atingidos em poucos minutos em caso de rompimento, tornando a fuga “muito difícil ou até mesmo improvável”.
O perito também identificou falhas nos protocolos de segurança da empresa e o acesso de trabalhadores terceirizados à área de risco sem crachá inteligente ou equipamento de localização.
O que são as Zonas de Autossalvamento (ZAS)
Na decisão, o desembargador relator da Primeira Turma, Luiz Otávio Linhares Renault, explicou que as Zonas de Autossalvamento (ZAS) são áreas localizadas imediatamente abaixo das barragens, por onde a água com rejeito seguiria em caso de rompimento da estrutura de contenção. “São regiões tão próximas da estrutura que não há tempo hábil para que bombeiros, defesa civil ou outros serviços de emergência cheguem a tempo de prestar socorro.”
A Lei 14.066/2020 define a ZAS como o trecho do vale abaixo da barragem onde não há tempo suficiente para intervenção externa em situações de emergência. Já o Decreto 11.31/2022 estabelece que, na ausência de regras específicas, a ZAS corresponde à área atingida pela onda de água nos primeiros 30 minutos após o rompimento.
O termo “autossalvamento” foi interpretado pelo magistrado como a necessidade de “salvar-se por conta própria”. Ou seja, qualquer pessoa, trabalhador ou morador, que estiver nessa área de risco terá que agir rapidamente para se proteger, sem esperar ajuda externa.
Segurança, previdência e justiça climática
A Vale recorreu da sentença alegando que o risco de barragem não se enquadra na lista taxativa de agentes nocivos prevista em lei. No entanto, o desembargador rejeitou o argumento e reforçou que o rol legal é apenas exemplificativo.
“O fato de o trabalho em áreas de barragem não estar formalmente listado não é suficiente para afastar o direito, desde que a perícia técnica comprove que o serviço nessas condições representa perigo à vida do empregado”, destacou.
A decisão garante que o PPP registre fielmente as condições de risco enfrentadas pelos trabalhadores, o que é essencial para a concessão da aposentadoria especial pelo INSS.
Segundo o magistrado, compete ao empregador emitir o documento com todos os agentes nocivos, químicos, físicos, biológicos ou associados, que possam prejudicar a saúde ou a integridade física do empregado.
Conexão com a COP30
A condenação da Vale em Itabira ressoa no contexto global da COP30, que discute justiça climática e sustentabilidade ambiental e social. O reconhecimento judicial do risco enfrentado diariamente por trabalhadores em ZAS evidencia a falha das grandes corporações em internalizar os custos humanos e ambientais da atividade mineral.
Ao determinar a inclusão do risco no PPP, a Justiça garante transparência corporativa e proteção dos direitos humanos. A decisão se alinha aos princípios de ESG e reforça que a dignidade da pessoa humana e a segurança do trabalhador devem estar acima do lucro.
Palavras que ensinam
Ao finalizar seu voto, o desembargador citou versos de Carlos Drummond de Andrade e Cecília Meireles, evocando a história e a dor de Itabira, cidade marcada pela mineração.
“Alguns anos vivi em Itabira. Principalmente nasci em Itabira. Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro. Noventa por cento de ferro nas calçadas. Oitenta por cento de ferro nas almas”, escreveu Drummond em Confidência do Itabirano.
Em outro trecho, o poeta lamenta: “O Rio? É doce. A Vale? Amarga. Ai, antes fosse mais leve a carga… quantas toneladas exportamos de ferro, quantas lágrimas disfarçamos sem berro?”
A citação de Cecília Meireles, em Romanceiro da Inconfidência, também reforça a crítica poética à exploração mineral: “De seu calmo esconderijo, o ouro vem, dócil e ingênuo; torna-se pó, folha, barra, prestígio, poder, engenho… É tão claro! — e turva tudo; honra, amor e pensamento.”
A decisão judicial, além de garantir direitos previdenciários, lança luz sobre a urgência de rever práticas empresariais e políticas públicas voltadas à segurança, à sustentabilidade e à valorização da vida de quem trabalha nas minas e nas barragens de contenção de rejeitos.










